segunda-feira, 30 de março de 2009

UM LUGAR ESCURO E TRISTE

Vesti uma roupa simples e fui ao encontro dos pais de Júlia. Peguei a caixa que tinha preparado, chamei Valdir e parti para a Aclimação. Cheguei lá umas sete horas da noite e a rua ainda fervilhava de carros. Vi o cortiço todo aceso ainda na esquina quando desci do táxi. Andei até a porta do lugar, que estava aberta, mas havia três moradores em volta dela. Passei pelos homens mal-encarados e fiquei satisfeito com meus instintos que me disseram para trazer a arma. Entrei e logo ouvi a barulheira do lugar, os rádios ligados, a gritaria, os risos. A tinta descascada das paredes dava um aspecto decrépito ao cortiço, que parecia podre por dentro. Havia um corredor enorme que, no final, dava para uma escada. De uma das portas, todas identificadas com pequenos números desenhados na porta, saiu uma mulher idosa. Ela me olhou surpresa e veio na minha direção. Eu perguntei a ela. – Por favor, onde posso encontrar o seu Inair e a dona Creusa?

Ela me encarou e explicou. – Eles moram no andar de cima, no 15. È só subir as escadas.

Eu agradeci à mulher e subi as escadas escuras. O andar de cima era igual ao de baixo, sujo e feio. Procurei a porta dos pais de Júlia, que acabou sendo a primeira do andar. Bati na porta e uma mulher atendeu. Era baixa e barriguda. Usava uma bermuda e camiseta regata, com um par de chinelos de dedo. Me dirigi a ela. – Por favor, você é a dona Creusa?

Ela acenou que sim com a cabeça e ficou esperando que eu falasse. Eu continuei. – Desculpa incomodar a senhora, mas vim trazer algo, algo de sua filha Júlia.

A mulher ficou imóvel por alguns instantes, me encarando como se eu fosse um alienígena. Eu comecei de novo. – Eu trouxe algumas coisas que não jogaram no lixo, eu achei que a senhora poderia querer.

Creusa disse, com medo. – Moço, pelo amor de deus, nem fala esse nome aqui. Se meu marido souber que você está aqui, ele vai ficar louco. Leva essas coisas embora.

Ela colocou as mãos na porta. Eu disse, antes que fechasse. – Mas são as coisas de sua filha. Ela me pediu para vir aqui entregar.

A mulher parou. Seus olhos tentavam disfarçar a emoção, mas ela estava perturbada. Segurou a porta com mais força e disse. – Agora eu não preciso mais disso, moço. Joga fora, que eu já perdi minha filha faz tempo.

Eu a impedi de fechar a porta de novo, falando. – Foi seu último desejo. Eu sou síndico do prédio onde ela morava e fui encarregado de fazer esse favor, por Júlia mesmo.

A mãe de Júlia parou para ouvir o que eu tinha a dizer. De dentro do apartamento vinham gritos masculinos, e eles se aproximavam. Um homem de bigode, baixo e de meia idade apareceu e empurrou a mulher. Foi logo falando alto. – Quem é o senhor e o que você quer aqui a essa hora?

Ele se virou para a mulher e perguntou. – E você, o que estava falando com ele?

Era o pai de Júlia, com certeza. Só de ver o medo da mãe e o jeito que ele trata as pessoas, pude perceber porque a garota não queria ficar aqui perto dele. Falei. – Seu Inair, eu sou síndico do prédio onde sua filha Júlia morava, vim trazer as coisas dela para vocês.

Os olhos do homem pareciam saltar de tanto ódio logo que ouviu o nome da filha. Ele respondeu, irado. – Olha aqui moço, vai embora e leva essas coisas com você. Daquela safada eu não quero nada.

Eu disse. – Por favor, seu Inair, foi o último desejo dela. Pouco antes de desaparecer ela me pediu para fazer esse favor.

Ele se irritou. – Tira essas porcarias daqui agora. Tá fazendo o favor por quê? Era amante dela?

Não retruquei. – Olha, seu Inair, eu vou deixar isso aqui na porta e depois vocês vêem o que querem fazer. Eu vim aqui fazer um favor à sua falecida filha.

Abaixei-me e deixei a caixa. Levantei devagar e ele continuava parado, olhando. A mãe de Júlia estava colada na parede, com olhos assustados. Ela ficava parada, se retorcendo a cada grito do marido, apavorada. Eu fui saindo e disse. – Desculpa incomodar.

Eu desci as escadas e ele bateu a porta. Os gritos continuaram, só que agora abafados. Ainda eram altos e quem iria pagar a conta da irritação do pai de Júlia era sua esposa. Pobre mulher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário