quinta-feira, 12 de março de 2009

NOITES PAULISTANAS

Passei duas noites em frente à janela, observando o travesti. Ele sempre esteve do outro lado da rua desde que me mudei, há cinco anos, após minha aposentadoria como funcionário público. Era exibicionista e mostrava seus enormes seios falsos de silicone, mesmo nas noites mais frias de São Paulo. Ficava só de calcinha na esquina, chocando os passantes e atraindo muitos clientes. Pais de família, em sua maioria...

Ele poderia ter visto o rapto e quem sabe até o rosto do seqüestrador. Eu passei duas noites tomando coragem para procurá-lo. Nem imaginava como começaria o assunto e pensava que o travesti nunca concordaria em falar. Mas não tinha jeito, a quem eu iria recorrer? Tomei coragem, vesti meu casaco e sem hesitação sai pela porta. Fui tomado por uma estranha energia nesta noite, era confiança. Um sentimento verdadeiro me inundou e me rendi a ele. Não me reprimi mais e fui ao encontro do homem/mulher. Eu conseguiria tirar algo dele, a qualquer custo.
Abri a porta do meu prédio e tentei disfarçar, mas ele me viu assim que eu coloquei o pé para fora. Ainda fingi estar perdido, sem saber em que direção seguir. Olhei para um lado, depois para o outro. Quando me senti confortável atravessei a rua e aproximei-me, sem nunca encará-lo. Ele estava solitário em seu ponto. – Com licença, eu gostaria de conversar com você. É um assunto particular.
O travesti me olhou, medindo de cima a baixo, e falou com sua voz anasalada, em tom jocoso. - Olha, para conversar em particular custa R$ 50. Tem um hotel aqui perto que a gente pode usar para bater um papo.
Sabia o que ele imaginava de mim, que eu queria satisfazer algum prazer doente e anormal, mas acenei com a cabeça e seguimos calados para o hotel. O lugar era algumas casas adiante e logo me vi no balcão da pocilga ao lado do travesti. O atendente recebeu o dinheiro do quarto e liberou a suíte 12 para Suelen. Subimos um lance de escada e entramos no quarto equipado com banheiro e ar-condicionado, com vista para a rua. Ele fechou a porta e seguimos alguns instantes intermináveis em silêncio. Suelen perguntou, meio sem graça. - Desculpa perguntar, mas o senhor é virgem de travesti?
Eu respondi desnorteado. - Sim, eu nunca estive, nunca fiz com um...
O homem foi solidário. - Não se preocupe não, eu já tive um caso ou dois, igual ao seu. O senhor prefere levar ou tomar?
Eu saí do meu transe envergonhado pela sua frase. Recuperei os sentidos e falei que não estava procurando sexo. Ele não entendeu. Tirou o casaco, expôs seus seios e perguntou. - Vamos deitar? Apaga a luz para ficar melhor.
Continuei ali parado que nem uma estátua, em pé. Tentei falar de novo. - Você não percebe? Eu só vim aqui para saber de algo. Por favor, coloque o casaco e vamos conversar.
Suelen ficou ofendido e não fez questão de disfarçar. Logo disparou. - Que merda é essa, que tipo de esquisito é você? Afinal qual é a sua, seu pervertido?

Argumentei com ele. - Por favor, só preciso saber o que você viu há quatro semanas. Uma moça foi seqüestrada no prédio em frente ao seu ponto. Preciso que se lembre desse dia.

Suelen não entendeu e não quis nem saber das minhas perguntas. Começou a juntar suas coisas e venho em minha direção, na direção da porta. Eu supliquei. Segurei-o pelos braços e pedi. – Me ajude, eu preciso saber o que você viu naquela noite. Quem levou a garota?

Ele ficou perturbado com a pergunta e tentou se soltar. –Pára com essa maluquice, eu não vi nada, não sei de nada. Me larga.
Ele me empurrou e tentou abrir a porta. Eu continuei segurando seu braço. Suelen me olhou e perguntou: - Por que você quer saber, o que te interessa?

Eu, sem resposta, disse a primeira coisa que veio a minha cabeça. - Eu sou o pai dela.

A resposta o desarmou. Ele ficou em silêncio por um momento, tentando se recompor. As minhas palavras mexeram com Suelen, eu podia ver em seu rosto. Ele se sentou na cama, calado, procurando se acalmar. Eu recomecei. -Por favor, um homem levou a garota, entrou no apartamento e a seqüestrou. Foi em um domingo chuvoso, eu preciso que você se lembre do começo dessa noite.

Ele tirou a peruca revelando seus cabelos curtos e pretos. Falou. – E o senhor espera que eu me lembre de um dia, depois de todo esse tempo?
Colocou a mão sobre os olhos e sentou na cama. Dizia baixinho palavras desconexas e sussurradas. Ele tirou a mão dos olhos e começou a organizar melhor os fatos daquele dia. Falou hesitante. – Eu me lembro de uma garota, com o rosto cheio de medo sendo levada por um homem. Ele era mulato e estava vestido de um jeito comum, tinha um boné. Colocou ela em um carro preto e saíram.
Perguntei se o homem era alto e qual era o seu carro. Respondeu. – Não, tinha uma altura média e o carro...não me lembro. Não conheço muito disso, mas era um desses comuns. Mas lembro que ele segurava o braço dela com as duas mãos. Ela ia indo, sendo levada por ele, mas eu nem pensei em nada.

Continuei perguntando se a polícia o havia questionado e ele disse não, que até evitou contato com os investigadores. Levantou-se e disse. - Vamos sair daqui. Esse quarto está ficando pequeno.
Pegou sua bolsa e abriu a porta. No começo não entendi sua atitude, mas depois percebi que talvez estivesse se sentindo culpado. Suelen me convidou para ir a um bar ali perto. Meio contrariado, acabei indo para não perder a pista. Fomos caminhando lado a lado até o bar e restaurante, há dois quarteirões do hotel. Suelen chegou fumando um cigarro que tinha acendido no meio do caminho. Pediu uma bebida: uma vodka com gelo. Sentei e tentei conversar mais um pouco, mas não consegui tirar nada dele. No meio de meus questionamentos, ele simplesmente se levantou e disse. – A coisa por aqui está feia. Mataram mais uma menina, dessa vez foi sua filha, mas quem será a próxima? Essa região é cercada por malucos mesmo!

O travesti estava inquieto. Levantou e deixou cinco reais em cima do balcão. – Escuta, eu sei que é sua filha, mas deixa a polícia cuidar disso. Quem sabe dessa vez, por um milagre, eles não acham ela.

Suelen deu as costas e voltou para seu ponto. Eu fiquei lá sentado no bar, tentando digerir o que tinha acontecido. A descrição do suspeito não ajudava, pois ele descreveu o tipo médio brasileiro, podia ser qualquer um. Mas por que será que ele disse “mataram mais uma menina”? Será que tem algo acontecendo nas ruas da República?

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