sábado, 14 de março de 2009

HOMEM/MULHER

Nos dias seguintes fiquei pensando o que teria causado tanto desconforto a Suelen. Acho que ele estava cheio de remorso, mas havia outra coisa. Precisava ir de novo conversar com o travesti. Esperei anoitecer e Suelen chegar ao seu ponto costumeiro, que eu podia ver da minha janela. Quando ele finalmente apareceu, resolvi lhe fazer algumas perguntas antes de seus clientes chegarem. Abri a porta e atravessei a rua para encontrá-lo. Quando me percebeu tentou disfarçar. Aproximei-me. - Podemos conversar?

Ele olhou para os lados e acenou com a cabeça, vencido. Fomos para o hotel e ao invés de subir, seguimos para um quarto nos fundos da espelunca. Nos sentamos em um sofá bem antigo e perguntei. – Você está bem?

O travesti parecia cansando e disse. – Sabe, eu estou farto desse lugar. Da sujeira, da violência, da pobreza, das mortes. O centro só atrai tristeza e desde que estou aqui, só faço é sofrer. Eu e todo mundo que mora aqui.

Acendeu um cigarro e me ofereceu. Aceitei e ele continuou falando. – Sabe, fiquei mexida com a história da sua filha. As garotas que trabalham na noite estão sempre desaparecendo, por vários motivos: mudam de cafetão, de área, ou simplesmente fogem disso tudo e tentam recomeçar a vida em outro lugar. Na maioria das vezes, ninguém fica sabendo o motivo, muitas nem tem ninguém para quem contar. São descartáveis...

Suelen parou de divagar e ficou olhando o cigarro. Falei. – Escute, fiquei intrigado com o que você falou da última vez. Você disse “mais uma garota morreu”? Tem acontecido com freqüência?

Ele olhou para mim e falou. – Como eu disse, as garotas daqui sempre somem, por um motivo ou outro. De qualquer jeito, ninguém quer ficar nessa merda de lugar.

Eu perguntei. – Mas quem era a garota que morreu?

O travesti virou o rosto. – Uma amiga. Não faz muito tempo, um cliente a pegou de carro em um ponto aqui perto. Ela nunca mais apareceu. Deve estar morta em algum canto. Não tinha família nem ninguém para procurar por ela. Não fez falta, a não ser para mim...

Ele se calou por um instante e depois perguntou. - Mas por que o senhor quer saber isso? A minha amiga era prostituta. A sua filha era trabalhadora, não era?

Respondi que sim com a cabeça. Me calei um instante, pensando como ele sabia que Júlia trabalhava. Acho que Suelen já havia notado a minha vizinha, quando ela voltava do trabalho. Será que observava a vida de Júlia enquanto os clientes não chegavam? Falei. – Ela trabalhava em um supermercado aqui perto, pelo que sei era honesta. Acho que não tinha nem namorado.

O homem me olhou desconfiado e disse. – O senhor não sabe por onde a sua filha andava? Até parece que o senhor nem a conhecia.

Eu baixei a cabeça e respondi. – Às vezes, pais e filhos não se dão bem e nem mesmo se conhecem. Digamos que eu e Júlia dividíamos o mesmo espaço, não nossas intimidades.

Suelen não me perguntou mais nada, constrangido. Eu também não continuei o assunto, deixando-o interpretar a situação do jeito que quisesse, do jeito que servisse sua consciência. Perguntei. – Será que ela poderia estar envolvida com prostituição?

Ele deu um grande trago no cigarro e falou. – Olha, na minha experiência isso não é incomum. Algumas mulheres em dificuldade fazem alguns programas para completar a renda. Mas, sinceramente, nunca vi a sua filha por aí.

Não me conti e perguntei imediatamente. – Você sabe me dizer quem poderia confirmar isso?

O travesti ficou surpreso e comentou. – Olha, ela não devia fazer programa. O senhor precisa descobrir se ela não tinha um namorado escondido e acabou fugindo com ele. Talvez eu tenha me enganado e não foi medo que eu vi em seu rosto. Eu sei que é duro ouvir isso, mas vai saber? O senhor a impedia de namorar?

Absorvi a pergunta e considerei. – Não. Mas acho que ela não me contaria se tivesse um namorado.

Suelen terminou o cigarro. – Bom, acho que já vou indo. Infelizmente, não posso ajudar o senhor em mais nada. Espero que você ache a garota.

Ele se levantou e foi rumo à porta. Eu o segui e perguntei. – Por favor, eu preciso confirmar se ela não estava fazendo programas. Nós andamos passando por dificuldades e acho que ela não faria isso, mas preciso ter certeza. Você conhece alguém que possa me ajudar?

O homem lamentou. – Prefiro não me envolver mais. Desculpa, mas isso não vai ajudar em nada. Procure a polícia e fique na cola deles, quem sabe você não descobre algo.

O travesti se virou e entrou no corredor, em direção a saída do hotel. Eu o segui na esperança de que se o pressionasse, ele ajudaria. Tinha que usar seu sentimento de culpa. – Por favor, ninguém vai me ajudar. As pessoas não se importam. Eu preciso que você me ajude.

Olhei em seus olhos, profundamente. Ele ficou desconcertado e pensou por alguns instantes. – Talvez eu possa te apresentar alguém que conheça as meninas da região. Não sei se ela ajudaria.

Eu disse. - Por favor, tente. Eu não tenho mais a quem recorrer.

Dei meu telefone a Suelen e disse que esperaria seu contato. Ele guardou o papel com o telefone na bolsa e foi embora. Agora é só esperar.

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