sexta-feira, 27 de março de 2009

A ARTE DE FINGIR

Precisei de dois dias para me preparar para a conversa com a amiga de Júlia. Fiquei pensando em como me aproximar, mas nada parecia plausível. Decidi ir como policial, inventar uma história, um nome, tudo para fazê-la falar. Preparei uma carteira policial falsa e vesti um terno. Levei a arma e coloquei na cintura, para tornar a farsa mais real para Maria, a colega de Júlia no supermercado. Com tudo pronto, resolvi ir ao lugar já à noite, para ter mais tempo com ela. Esperava encontrá-la de saída do turno.

O mercado era grande e estava cheio de gente comprando. Falei com um atendente e perguntei por Maria. Ele disse que ela deveria estar se trocando. Pedi para chamá-la. Após alguns minutos ela apareceu, pronta para ir embora. Confirmei seu nome e me identifiquei como policial. Expliquei que estava ali para saber do caso de Júlia. Maria concordou em conversar, mas não no supermercado. Fomos até um bar na esquina e nos sentamos. Citei os nomes dos investigadores do caso de Júlia para ela ficar mais confiante em minha história. Maria começou a falar devagar. Contou-me que Júlia havia conseguido o emprego há cerca de um ano e as duas logo ficaram amigas. A garota era do tipo fechada e algumas coisas ela não comentava nem com Maria. Eu perguntei sobre a família de Júlia e ela disse que não sabia muito, mas que a garota não queria nem saber deles. Ela tinha quase certeza que eles não tinham nenhum contato.

Mencionei o namorado. Maria disse que já tinha visto ele algumas vezes, quando ele vinha ver Júlia no supermercado. Ela comentou. – Acho que ela estava feliz. Conheceu ele em um culto da igreja evangélica. Os dois estavam namorando há um tempo, acho que começaram a sair na mesma época que ela mudou para cá. Não falava muito dele, mas sei que eles tinham um relacionamento muito respeitoso, até por causa da vida na igreja.

Eu a interrompi. – Mas eles brigaram, não é?

Ela afirmou sim com a cabeça e disse. – Eu não sei o que aconteceu. Eles estavam bem em um dia e no outro, sei lá. Depois disso, ela ficou triste e deprimida. Eu tentei saber o que tinha acontecido, mas ela não contava. Um dia a peguei chorando no estoque. Ela estava debruçada em cima dos sacos de feijão, tentando limpar as lágrimas. Eu fui lá e perguntei bem séria o que tinha acontecido. Ela começou a chorar e disse que ele tinha terminado com ela, por um motivo que não deveria importar mais. Ela tentou falar com ele algumas vezes, tentando uma reconciliação, mas não teve jeito. Eu dei a maior força para ela, disse que ela deveria lutar pelo amor. Ela se animou e depois disso começou a correr atrás dele sempre. Nem parecia a Júlia que era toda tímida. Começou a dizer que ninguém iria tirar a felicidade dela, agora que tinha achado. Mas aí ela sumiu e ninguém sabe o que aconteceu. A polícia até agora não a achou.

Eu abaixei a cabeça e fingi não escutar a alfinetada, como um policial de verdade faria. Perguntei se fora o namoro, havia alguém atrás dela, um pretendente não correspondido. Ela afirmou que não. Perguntei o motivo da separação dos namorados. – Olha, não sei. Ela saía pela tangente toda vez que eu perguntava. Dizia que era uma bobeira e nunca falava o quê.

Fiquei calado por alguns instantes. Ela disse que tinha que ir embora e eu a deixei ir. Antes de me deixar ela perguntou. – Por que você veio aqui me perguntar isso tudo de novo? Tudo que eu falei já tinha dito para os outros policiais.

Eu respondi. – Eu estou revendo o passado, tentando preencher algumas lacunas deixadas pelos meus colegas. Às vezes, só é preciso distanciamento e tempo para ver as coisas como realmente são.

Nenhum comentário:

Postar um comentário