segunda-feira, 23 de março de 2009

O PASSADO VOLTA

Procurei a delegacia da Polícia Civil da região, onde a síndica havia feito a queixa do desaparecimento de Julia, para saber quem eu conhecia dos velhos tempos, da época em que a policia colaborava com o serviço. Descobri que o delegado titular era um velho conhecido meu, alguém com muita história nas costas, para a minha sorte. O delegado tinha um codinome nos anos de chumbo: mãos de fada. Era um apelido engraçado que frisava as suas atividades naquela época, a tortura. Diziam que ele era bom, que podia fazer qualquer um falar. O delegado tinha uma técnica e carinho especial com os testículos dos homens. Dava choque, espremia, batia. Acho que ele gostava muito da atividade, mas quando o regime começou a ruir, a agência o ajudou a esconder seu passado, como fez com muitos torturadores e colaboradores. Pelo jeito, tinham feito o trabalho direitinho porque ele conseguiu chegar ao atual cargo e ninguém o incomodou.

Pedi para falar com ele. Dei meu nome ao atendente, esperando que ele se lembrasse dos velhos tempos. Sabia que ele não ficaria feliz em me ver, mas esperava que o medo o fizesse me receber. O atendente voltou e me disse que o delegado estava ocupado e que eu marcasse uma hora. Resolvi esperar em um bar da esquina até que ele fosse almoçar. Era uma aposta. Fiquei esperando umas duas horas, mas ele acabou saindo da delegacia, acompanhado de outro policial. Tinha envelhecido é claro, perdido cabelos e ficado mais gordo como todo mundo, mas ainda tinha os mesmos gestos e jeito de andar. Atravessei a rua e o abordei. – Olá, delegado. Quer dizer que você não tem mais tempo para os velhos amigos?

Ele empalideceu. Ficou sem ação por alguns segundos, como se tivesse visto um fantasma. O policial que o acompanhava o cutucou e ele acordou do transe. O delegado deu um jeito de dispensá-lo e me chamou para tomar um café, amigavelmente mentindo. Nos afastamos da delegacia e ele começou a falar. – Vargas, há quanto tempo. Todos esses anos e nunca mais tive notícias suas...como tem passado?

Eu respondi. – Bem. Estou aposentado e aproveitando a vida.

Ele sorriu sem graça e perguntou. – Então, o que te traz aqui? Se meteu em alguma encrenca?

Eu soltei uma pequena risada e respondi. – Não, longe disso. Escuta, estou precisando de um favor seu. Aconteceu um desaparecimento no meu prédio. Uma garota foi raptada e nada foi feito para descobrir seu paradeiro. O caso está aqui no seu DP. Eu gostaria de ver os arquivos do caso.

O delegado estranhou o pedido, mas respondeu rápido. – Vargas, você sabe que eu não posso fazer isso. Imagina que eu vou te apresentar a investigação sigilosa assim, só porque te deu na telha de ser detetive. O que está acontecendo?

Expliquei a história toda enquanto andávamos. Fui o mais rápido possível porque ele estava louco para se livrar de mim. Ele falou. – Esquece essa história, Vargas. Isso deve ser uma bobeira de mulher e você não tem nada com isso. E além do mais, se o corpo dela não aparecer, não tem jogo. Agora deixa eu ir que estou morrendo de fome.

Ele me deu a mão para se despedir, mas eu não estendi a minha. Falei. – Mãos de fada, que é isso? Não acredito que vai recusar um pequeno pedido de um amigo de tantos anos. E, além disso, ninguém vai se importar se você me deixar dar uma olhadinha nos arquivos. Era só uma mulher boba, como você disse.

Ele esfregou a cabeça e entendeu que o ameaçava. Eu continuei. – Não faça drama, não é como se você fosse fazer algo de sério. Não como nos velhos tempos.

Sentindo que ele estava acuado, pus meu braço em seu ombro e falei. – Vamos lá, procure o arquivo e você nunca mais vai ouvir falar de mim. E antes que eu me esqueça, preciso que você me deixe ver outro caso de outra mulher boba morta em 2007. Ela foi a única morta aqui na região no ano.

Ele estava perplexo e perguntou. – Por que tudo isso? O que está procurando?

Eu respondi. – Nada, só satisfaça aos caprichos de um velho amigo.

Dei meu telefone e pedi que me ligasse quando tivesse tudo em suas mãos. Cumprimentei-o e fui embora. Espero que não tenha que voltar a pressioná-lo, não suporto o porco. Defensor de “revolução” com os bagos dos outros.

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