terça-feira, 17 de março de 2009

VOLTA PELO CENTRO

Essa noite eu não agüentei ficar em casa, estava apreensivo demais. Suelen não apareceu no ponto. Eu precisava fazer alguma coisa para me acalmar por isso resolvi dar um volta, a pé mesmo. Andei em direção à Praça da República, onde vi um táxi passando vagarosamente. Dentro dele, o taxista mantinha um rosto em alerta, esperando que alguém acenasse para ele parar. Ele, como todos nesta região, tentava escolher seus clientes com cuidado, afinal, sua próxima corrida poderia acabar o matando. A cena me fez lembrar do taxista que eu usava sempre que precisava me locomover de carro. Seu nome era Valdir e ele é do tipo conversador, do tipo que sabe a história de tudo e todo mundo. Tinha muitos anos de profissão na região e com sua ajuda eu poderia saber o que se falava e temia nas ruas.

Encontrei Valdir em seu ponto de táxi. Estava sentado no escuro, dentro de seu carro, em um cruzamento mal iluminado da Consolação, perto da Nestor Pestana. Ele observava três jovens moradores de rua que estavam do outro lado da rua. Dois se abrigavam na marquise, sentados e quietos. O terceiro estava na calçada, curvado, olhando fixamente para baixo do carro de Valdir. Ele me reconheceu e sorriu. Abriu a janela do carona e me cumprimentou. Acenei e abaixei para conversar. – Olá, como anda, seu Valdir?

Ele respondeu: - Andando. O que o senhor faz por aqui? Precisa fazer uma corrida?

Eu disse a ele não, mas que gostaria de dar uma volta pelo centro. Ele estranhou, mas ligou o carro quando entrei. O jovem do outro lado continuou olhando. Valdir me olhou e depois para o moleque. – Malditos nóias! Olha esse aí, cheio de cola e perdido totalmente. Vê se pode, seu Vargas? Esse vagabundo está aí há mais de 15 minutos viajando no chão, nem se move. Minha Nossa Senhora!

Valdir então colocou o carro em movimento, sem destino. Ele seguiu pela Xavier de Toledo no sentido da prefeitura. Perguntei-lhe. - Você já devia estar acostumado com essas cenas, típicas da vida na região. Sinceramente não sei como você consegue trabalhar à noite por aqui.

O taxista sorriu. – Sabe como é, preciso pagar as contas. Se eu não trabalho não ganho.

Acenei. – É, mas você devia trabalhar em uma região mais tranqüila.
Ele resignou-se. – O senhor tem razão, mas quem causa os problemas daqui não são os moradores os centro, são os nóias que vem de outro lugar. Eu já conheço a maioria dos loucos, travestis, prostitutas e traficantes da região. Gente finíssima...

Dei-lhe corda. – Aposto que você já viu muita coisa, nessas noites, ou até mesmo durante o dia, porque isso aqui também é feio durante o dia.

Sorriu. – Tenho muita história sim senhor. O importante é respeitar, eu os levo para qualquer lugar, se me pagarem e se comportarem no banco de trás. Por que isso de mau caráter, não tem classe social, nem profissão. Já fui assaltado por branco, preto e mulato. Aqui neste táxi, eu só não fiz parto e nem fui assaltado por japonês.

Nós rimos. Eu pedi para Valdir mudar o rumo e seguir para a Praça da República. Circulamos o lugar e vimos os moradores da praça. Era um lugar bastante populoso, cheio de residentes: idosos, mulheres, crianças, drogados e loucos. Valdir me perguntou. – O senhor já reparou que o povo que mora nessa praça usa as árvores e o meio da praça para se esconder, como se fossem bichos?

Eu acenei com a cabeça e ele disse. - A praça é grande, tem até uma creche. Quando você passa, durante a tarde, os moleques de rua ficam deitados na grama, na sombra das árvores. Elas são grandes e durante o dia faz uma sombra gostosa, mas não dá para ficar ali, marcando, com esses tipos rondando. Os malandros roubam só o suficiente para sobreviver ou se drogar. Caçam e vêem para cá, na praça, para se esconder dentro dela, se misturando com os outros. Eles costumam ficar ali, ao lado da creche. Alguns deles têm a mesma idade dos que estão matriculados na creche, mas já falam que nem malandro.

Concordei com a cabeça. Ele perguntou. – Já demos uma boa volta, vimos a vida noturna, o senhor quer voltar?

Eu respondi que ainda não. Valdir olhou para frente e continuou a dirigir sem rumo. Continuou. – O senhor sabe que eu até que gosto do centro. Acho que me acostumei a tudo aqui. Não digo que não me choco com mais nada, porque isso é mentira, mas tem que ser bem cabeludo para me surpreender.

Perguntei. - Você estava falando que foi assaltado muitas vezes, não é?

Ele acenou. – É. Já contei para o senhor da vez que um ladrão me assaltou com um tijolo e depois me deu com ele na cara?

Sorri. – Contou, lembro que nesse dia você também falou de um assaltante de terno.
Valdir ficou sério. – Rapaz, nesse dia eu achei que fosse morrer. O cara era normal, estava bem vestido, mas tinha algo estranho nele. O cara puxou uma arma e anunciou o assalto. O jeito de ele falar era calmo, muito frio. Quando eu olhei para ele, pelo retrovisor, e vi que ele era o tipo que mata e nem liga. Os nóias matam porque estão loucos de droga e os outros pipocas matam por acidente, mas esse cara era diferente. Dei o dinheiro, andei mais um pouco com ele no carro e depois o deixei em uma esquina. Sabe, nesses anos como taxista eu aprendi a conhecer o olhar das pessoas, só olhando pelo retrovisor. Às vezes, pego um olhar, de relance, mas já entendo o que se passa aí atrás. E aquele cara, seu Vargas, era um matador por natureza.

Eu perguntei. – Pelo retrovisor, você consegue reconhecer um matador de mulheres?

Ele me olhou, com um sorriso sem graça. – Tão preciso assim eu não sou, mas se tivesse algum por aí, eu não teria medo, afinal ele mata só mulheres mesmo.

Continuei. – Mas vocês, taxistas, ficam sabendo quando tem um desses rondando por aí?

Valdir coçou o rosto. – Olha, às vezes, a gente escuta alguma coisa, na conversa de clientes e nos pontos.

Forcei a conversa mais ainda. – Existe um desses rondando por aí?

Valdir estranhou. – Olha, o senhor quer que eu vire e volte já?

O táxi já estava perto da minha rua, mas eu continuei. – Eu acho que existe um homem assim, rondando a região. Ele está matando as mulheres da região.

O taxista se concentrou na direção. – Eu sempre escuto muitas histórias, mas não sei se são de verdade ou só lendas. Esse tipo de história é comum, sempre tem um louco à solta. Mas por que essa insistência, seu Vargas?

Concentrei-me na rua na minha frente. – Aconteceu uma morte, minha vizinha foi assassinada. Acho que ainda estou meio perturbado. A moça na verdade está desaparecida, mas sei que ela está morta.

Valdir decidiu subir a Consolação, rumo à Paulista. Ele parecia desconcertado. – O senhor não devia estar se preocupando com essas coisas. Se a polícia falou que ela sumiu, deixa como está. Quem sabe no que essa mulher se meteu?

Eu me calei e considerei o fato. Eu conhecia a polícia, mas não sabia muita coisa sobre Júlia. A síndica havia me contado sobre a fuga do nordeste e a vida difícil da garota, mas talvez a realidade fosse outra. Comecei a me perguntar quem realmente era Júlia. O taxista me deixou em casa e eu fui dormir ainda incomodado com as minhas perguntas.

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