terça-feira, 10 de março de 2009

PROCURANDO POR RESPOSTAS

Acordei ainda perturbado pelo remédio para dormir. O fantasma de Júlia tinha vencido. Quando me levantei, ainda assustado por um sonho com ela e desorientado pelo sonífero, sabia que estava condenado. Já de pé, em frente ao espelho, lavando o rosto, as pernas me falharam. Segurei a pia. O espírito de Júlia me atormentaria para sempre, se eu não fizesse nada. Terminei de me arrumar, tomei um café e fui conversar com a síndica do prédio, dona Antonia.

É uma senhora que já passa dos 60, assim como eu, mas faz força para parecer 50. Sempre vaidosa, nunca deixa os outros a verem sem maquiagem ou mal vestida. Bati em sua porta no final da manhã. Ela, uma aposentada, não estava muito ocupada. Abriu a porta e me recebeu com cortesia, diria até com gosto. Convidou-me a entrar e serviu um café passado na hora. Conversamos as amenidades de sempre, o tempo, a vizinhança, o governo. Procurei uma brecha para falar do assunto, mas ela matraqueava sem parar. Quando um daqueles momentos de silêncio se abateu sobre a conversa, perguntei sobre a garota, minha vizinha. No começo ela não me deu muitas informações e comentou que a garota não falava muito de nada. Dona Antonia desconversou um pouco, chamou de tragédia. Disse que Júlia tinha fugido de uma cidadezinha no Nordeste, uma daquelas perdidas no deserto, para tentar a vida aqui. Ela achava que a garota estava em São Paulo há alguns anos porque já havia perdido um pouco do “sutaque”. A mulher também sabia que a vizinha trabalhava em um supermercado, próximo ao Minhocão, desde que morava no prédio. Depois disso, partiu para a especulação. – Você sabe como são essas garotas de hoje em dia? Provavelmente trouxe a desgraça sobre si.

Ela falou com certo prazer, percebi. Era como se sua castidade e velhos costumes a protegessem de todos ao males. Após um breve discurso sobre pureza, castidade, moralidade e outras sandices sem sentido, nada mais para reafirmar suas próprias idéias, ficou interessada nos motivos das minhas perguntas. Tentei esconder meu asco por suas palavras, mas não consegui. Seria fácil disfarçar, como outras tantas mentiras da vida comum, mas não consegui. Ela sorriu maliciosamente e me perguntou. – Todo mundo gosta delas novinhas, não é seu bode velho? Vocês homens são todos iguais, se fosse uma velha ninguém ligaria.

Eu não respondi. Levantei-me, sem graça, e sai. Ela fechou a porta atrás de mim, ainda mais amarga do que já era. Voltei para o meu apartamento, sem ter a quem recorrer. Ao anoitecer, sentei próximo à janela e vi quem poderia me ajudar. Ele fazia ponto todas às noites no mesmo lugar, do outro lado da rua, e poderia ter visto algo. Era minha única opção.

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