quinta-feira, 23 de abril de 2009

O TRISTE FIM

Juntei todas as informações do caso de Júlia e coloquei em uma pasta. Deixei-a organizada e bem apresentável para que impressionasse a vista. Acrescentei uns recortes de jornais aos relatórios dos casos oficiais. Estava tudo pronto, mas em minha consciência só restava uma dúvida: seria mesmo o assassino de Júlia ou só outro predador? Infelizmente eu nunca conseguiria achar provas de que ele realmente cometeu o crime, para provar materialmente o caso. Eu estava convencido de que só uma confissão confirmaria a história toda. Como na época do serviço, não poderia me ater só às provas, mas sim aos fatos para produzir um significado.

Nesta quinta-feira, eu, com todos os dados do suspeito, fui atrás dele. Seu nome é Pedro e trabalha em uma agência de publicidade da Vila Madalena. Peguei a mesma carteira falsa de policial que havia apresentado a colega de Júlia do supermercado e mais uma vez me disfarcei de investigador da polícia civil. Estava de terno e gravata, sapatos encerrados e revólver na cintura. Chamei Valdir e pedi que me levasse ao emprego do suspeito. Já tinha levantado algumas coisas sobre sua vida, como endereços e telefones, mas teria que blefar em algumas partes. Fui confiante da minha história, pois só isso o faria confessar e finalmente dar paz a Júlia. A República estava condenada, ma pelo menos eu poderia compensar por uma injustiça cometida.

Cheguei ao emprego de Pedro no final da tarde. Fui a secretária e pedi para chamá-lo, me identificando como policial. Passados uns cinco minutos apareceu Pedro, bem vestido e de cabelo arrumado. Cumprimentou-me e já quis logo ir sabendo do que se tratava. Eu estava usando óculos escuros e suavizei minha voz, para ele não se lembrar de mim. Pedi para irmos a um café que havia na frente da agência, para conversarmos em particular. Ele concordou. Atravessamos a rua, pedimos dois cafés e nos sentamos em uma mesa de canto, perto de uma janela. Eu disse que estava investigando a morte de prostitutas na região do centro. Mostrei a ele o dossiê que tinha, inclusive com a sua ficha policial e com as fotos da sua antiga prisão. Antes de ele falar algo eu lhe disse que tinha muitas testemunhas, garotas de programa que haviam sido agredidas por ele. Ele negou prontamente, disse que tinha não tinha nada a ver com os assassinatos. Eu perguntei sobre as prostitutas e ele confirmou que freqüentava as mulheres da região, mas negou as agressões e as chamou de “ladras”.

Blefei mas um pouco, falei do corpo que apareceu em 2007 e que nele havia provas materiais do assassino. Fui vago sobre o assunto, mas o intimidei. Perguntei se ele tinha álibis e ele disse que queria consultar um advogado. Eu comentei. - Você está bem encrencado e isso vai acabar fazendo a maior bagunça. Eu vou mandar uma intimação para a sua casa e lhe indicar para o delegado como principal suspeito. Quem sabe não vasa para a imprensa...

Ele perguntou. – Porque tantas ameaças? O que você quer?

Respondi friamente. - Dinheiro.

O homem ficou pasmo com a minha resposta rápida. Pensou por alguns instantes e perguntou quanto eu queria. Eu sorri e disse. – O pessoal da delegacia quer R$ 50 mil. Sabe, para abafar o caso e levar a investigação em outra direção. Uma que não de em nada.

Pedro parecia se tranqüilizar. Mas eu continuei. – Mas tem mais uma coisa que você tem que fazer. Para te ajudar, eu preciso saber quantas garotas você matou?

Ele ficou sério e disse que não havia matado ninguém, que tentaria arranjar o dinheiro, mas só para não ser prejudicado. Eu dei risada e perguntei. – Se você é inocente, não pagaria. Vamos me diz, quantas foram? Duas ou três prostitutas?

Manteve a postura e repetiu a mesma história. Olhou para os lados e ficou procurando por mais observadores. Acho que ele ficou desconfiado que talvez eu estivesse usando escuta e tudo poderia ser uma cilada da polícia.

Mandei-o pagar a conta e pegar seu carro. O primeiro pagamento deveria ser feito naquele momento. Pedi pelo menos R$ 5 mil. Ele tentou negociar, mas eu fui irredutível. Disse que pegasse o carro logo, para podermos arranjar logo o dinheiro, pois eu tinha policiais trabalhando comigo e que eles queriam o pagamento. Pedro entrou na agência e depois de uns quinze minutos saiu e encostou o carro. Eu entrei e já perguntei onde ele arranjaria o dinheiro. Ele pensou alguns segundos e disse que passaria primeiro no banco e depois pegaria o resto em casa. Comecei a conversar com ele. – Não vamos nos demorar muito. Quero resolver esse assunto rápido. Daqui um tempo vou te ligar para você fazer outras entregas de dinheiro. Depois de hoje, fique preparado, porque vamos querer esses R$ 50 mil bem depressa.

Ele não respondeu e eu resolvi perguntar novamente sobre as mortes. – Pedro, eu ainda preciso saber sobre as mortes. Quantas você matou?

Pedro voltou com a mesma história e disse não tinha feito nada. Eu falei. – Você não vai ficar insultando a minha inteligência. Eu sei que foi você. Quem sabe eu não tiro outro proveito de você. Sabe, talvez eu consiga uma promoção pegando o “maníaco do centro”. Posso até chegar a delegado desvendando essa investigação. Este tipo de mídia ajuda na carreira de um policial.

O homem não respondeu e isso me irritou. Eu gritei. – Você não vai contar? Tudo bem, pare o carro. Eu te vejo na sala de interrogatório da DP.

Ele não parou o carro. Seguiu dirigindo por alguns segundo até dizer que queria cooperar. Contou-me friamente. – Matei uma, tá bom? Matei uma puta de rua lá do centro. Juro. Foi um acidente e eu nem me lembro onde joguei o corpo. Era só uma puta!

Sua frieza era espantosa. Para ele, a mulher assassinada não era nada. Eu retruquei. – Mentira, você continua mentindo para mim. Eu sei que você matou outras mulheres e escondeu o corpo. Me fala sobre as outras.

Pedro voltou a falar que só havia matado uma. A essa altura ele estava muito nervoso e parecia um animal acuado e sem escapatória. Estava ficando desesperado, sem saída, e isso era muito perigoso para mim. Pedro era um doente e eu sabia do que ele era capaz. O carro ficou mais rápido e ele não parecia mais comandá-lo. Coloquei minha mão direita próxima da arma. Quando a senti, voltei a perguntar. – Quero saber das outras. Me fala sobre a garota do prédio da rua General Jardim que você invadiu. Onde desovou o corpo da garota?

Ele não respondeu e acelerou, cada vez mais apreensivo. Eu estava cansando daquele jogo e de suas mentiras. Perguntei mais uma vez. - Eu quero saber onde você escondeu o corpo dela. Anda, me fala logo.

Pedro se virou para mim, com um olhar frio e sem emoção e me disse tudo que queria saber, só com essa expressão. Ele nem se lembrava, estava matando há tanto tempo que provavelmente nem se lembrava de Júlia. Apesar de todo o trabalho, ela foi só mais uma no caminho dele.

O homem vinha em alta velocidade, em uma rua calma da Vila Madalena. Um cachorro atravessou o caminho e ele tentou desviar, mas acabou subindo com o automóvel na calçada e dando de cara no muro. O movimento de parada bruta do carro me fez segurar o revólver com força e depois de alguns instantes eu já o tinha sacado, estimulado pela adrenalina. Mantive a mira baixa, apoiada na minha barriga. Eu olhei dentro de seus olhos e pensei em Júlia. Quais foram os terrores que ela passou com esse homem, e o que ele teria feito com seu corpo? Em meus ouvidos ela pedia vingança. Era ele o homem certo, seu assassino. Eu perguntei mais uma vez. – Onde está a garota da General Jardim?

Ele ficou calado, de certo estranhando a minha insistência em relação a sua vítima. Pedro jamais confessaria, iria mentir por toda a vida, sabendo que ninguém poderia provar sua culpa pelo assassinato. Eu coloquei a arma em sua cabeça e apertei o gatilho. Ele não reagiu e tombou para frente, ficando apoiado apenas pelo cinto de segurança.

A bagunça estava feita, mas eu não senti remorso. Sai do carro apressado tentando não mostrar meu rosto. A rua estava calma e ninguém me viu, mas sabia que não tinha muito tempo. Peguei um táxi na esquina e fui para o meu apartamento. Era só uma questão de tempo até a polícia vir atrás de mim. Eles vão seguir as pistas, conversar com as pessoas e descobrir toda a história. Pedro importava para a sociedade e por isso, investigariam sua morte. Eu teria que sumir para não acabar meus dias mofando em um presídio.

Cheguei a casa e fiz uma mala, só com as coisas mais importantes. Agora, escrevo no blog para finalizar a história e para as pessoas saberem o que realmente aconteceu. Eu vou sumir no mundo e mudar completamente, viver outra vida. E eles nunca me acharão.

Um comentário: