quinta-feira, 23 de abril de 2009

O TRISTE FIM

Juntei todas as informações do caso de Júlia e coloquei em uma pasta. Deixei-a organizada e bem apresentável para que impressionasse a vista. Acrescentei uns recortes de jornais aos relatórios dos casos oficiais. Estava tudo pronto, mas em minha consciência só restava uma dúvida: seria mesmo o assassino de Júlia ou só outro predador? Infelizmente eu nunca conseguiria achar provas de que ele realmente cometeu o crime, para provar materialmente o caso. Eu estava convencido de que só uma confissão confirmaria a história toda. Como na época do serviço, não poderia me ater só às provas, mas sim aos fatos para produzir um significado.

Nesta quinta-feira, eu, com todos os dados do suspeito, fui atrás dele. Seu nome é Pedro e trabalha em uma agência de publicidade da Vila Madalena. Peguei a mesma carteira falsa de policial que havia apresentado a colega de Júlia do supermercado e mais uma vez me disfarcei de investigador da polícia civil. Estava de terno e gravata, sapatos encerrados e revólver na cintura. Chamei Valdir e pedi que me levasse ao emprego do suspeito. Já tinha levantado algumas coisas sobre sua vida, como endereços e telefones, mas teria que blefar em algumas partes. Fui confiante da minha história, pois só isso o faria confessar e finalmente dar paz a Júlia. A República estava condenada, ma pelo menos eu poderia compensar por uma injustiça cometida.

Cheguei ao emprego de Pedro no final da tarde. Fui a secretária e pedi para chamá-lo, me identificando como policial. Passados uns cinco minutos apareceu Pedro, bem vestido e de cabelo arrumado. Cumprimentou-me e já quis logo ir sabendo do que se tratava. Eu estava usando óculos escuros e suavizei minha voz, para ele não se lembrar de mim. Pedi para irmos a um café que havia na frente da agência, para conversarmos em particular. Ele concordou. Atravessamos a rua, pedimos dois cafés e nos sentamos em uma mesa de canto, perto de uma janela. Eu disse que estava investigando a morte de prostitutas na região do centro. Mostrei a ele o dossiê que tinha, inclusive com a sua ficha policial e com as fotos da sua antiga prisão. Antes de ele falar algo eu lhe disse que tinha muitas testemunhas, garotas de programa que haviam sido agredidas por ele. Ele negou prontamente, disse que tinha não tinha nada a ver com os assassinatos. Eu perguntei sobre as prostitutas e ele confirmou que freqüentava as mulheres da região, mas negou as agressões e as chamou de “ladras”.

Blefei mas um pouco, falei do corpo que apareceu em 2007 e que nele havia provas materiais do assassino. Fui vago sobre o assunto, mas o intimidei. Perguntei se ele tinha álibis e ele disse que queria consultar um advogado. Eu comentei. - Você está bem encrencado e isso vai acabar fazendo a maior bagunça. Eu vou mandar uma intimação para a sua casa e lhe indicar para o delegado como principal suspeito. Quem sabe não vasa para a imprensa...

Ele perguntou. – Porque tantas ameaças? O que você quer?

Respondi friamente. - Dinheiro.

O homem ficou pasmo com a minha resposta rápida. Pensou por alguns instantes e perguntou quanto eu queria. Eu sorri e disse. – O pessoal da delegacia quer R$ 50 mil. Sabe, para abafar o caso e levar a investigação em outra direção. Uma que não de em nada.

Pedro parecia se tranqüilizar. Mas eu continuei. – Mas tem mais uma coisa que você tem que fazer. Para te ajudar, eu preciso saber quantas garotas você matou?

Ele ficou sério e disse que não havia matado ninguém, que tentaria arranjar o dinheiro, mas só para não ser prejudicado. Eu dei risada e perguntei. – Se você é inocente, não pagaria. Vamos me diz, quantas foram? Duas ou três prostitutas?

Manteve a postura e repetiu a mesma história. Olhou para os lados e ficou procurando por mais observadores. Acho que ele ficou desconfiado que talvez eu estivesse usando escuta e tudo poderia ser uma cilada da polícia.

Mandei-o pagar a conta e pegar seu carro. O primeiro pagamento deveria ser feito naquele momento. Pedi pelo menos R$ 5 mil. Ele tentou negociar, mas eu fui irredutível. Disse que pegasse o carro logo, para podermos arranjar logo o dinheiro, pois eu tinha policiais trabalhando comigo e que eles queriam o pagamento. Pedro entrou na agência e depois de uns quinze minutos saiu e encostou o carro. Eu entrei e já perguntei onde ele arranjaria o dinheiro. Ele pensou alguns segundos e disse que passaria primeiro no banco e depois pegaria o resto em casa. Comecei a conversar com ele. – Não vamos nos demorar muito. Quero resolver esse assunto rápido. Daqui um tempo vou te ligar para você fazer outras entregas de dinheiro. Depois de hoje, fique preparado, porque vamos querer esses R$ 50 mil bem depressa.

Ele não respondeu e eu resolvi perguntar novamente sobre as mortes. – Pedro, eu ainda preciso saber sobre as mortes. Quantas você matou?

Pedro voltou com a mesma história e disse não tinha feito nada. Eu falei. – Você não vai ficar insultando a minha inteligência. Eu sei que foi você. Quem sabe eu não tiro outro proveito de você. Sabe, talvez eu consiga uma promoção pegando o “maníaco do centro”. Posso até chegar a delegado desvendando essa investigação. Este tipo de mídia ajuda na carreira de um policial.

O homem não respondeu e isso me irritou. Eu gritei. – Você não vai contar? Tudo bem, pare o carro. Eu te vejo na sala de interrogatório da DP.

Ele não parou o carro. Seguiu dirigindo por alguns segundo até dizer que queria cooperar. Contou-me friamente. – Matei uma, tá bom? Matei uma puta de rua lá do centro. Juro. Foi um acidente e eu nem me lembro onde joguei o corpo. Era só uma puta!

Sua frieza era espantosa. Para ele, a mulher assassinada não era nada. Eu retruquei. – Mentira, você continua mentindo para mim. Eu sei que você matou outras mulheres e escondeu o corpo. Me fala sobre as outras.

Pedro voltou a falar que só havia matado uma. A essa altura ele estava muito nervoso e parecia um animal acuado e sem escapatória. Estava ficando desesperado, sem saída, e isso era muito perigoso para mim. Pedro era um doente e eu sabia do que ele era capaz. O carro ficou mais rápido e ele não parecia mais comandá-lo. Coloquei minha mão direita próxima da arma. Quando a senti, voltei a perguntar. – Quero saber das outras. Me fala sobre a garota do prédio da rua General Jardim que você invadiu. Onde desovou o corpo da garota?

Ele não respondeu e acelerou, cada vez mais apreensivo. Eu estava cansando daquele jogo e de suas mentiras. Perguntei mais uma vez. - Eu quero saber onde você escondeu o corpo dela. Anda, me fala logo.

Pedro se virou para mim, com um olhar frio e sem emoção e me disse tudo que queria saber, só com essa expressão. Ele nem se lembrava, estava matando há tanto tempo que provavelmente nem se lembrava de Júlia. Apesar de todo o trabalho, ela foi só mais uma no caminho dele.

O homem vinha em alta velocidade, em uma rua calma da Vila Madalena. Um cachorro atravessou o caminho e ele tentou desviar, mas acabou subindo com o automóvel na calçada e dando de cara no muro. O movimento de parada bruta do carro me fez segurar o revólver com força e depois de alguns instantes eu já o tinha sacado, estimulado pela adrenalina. Mantive a mira baixa, apoiada na minha barriga. Eu olhei dentro de seus olhos e pensei em Júlia. Quais foram os terrores que ela passou com esse homem, e o que ele teria feito com seu corpo? Em meus ouvidos ela pedia vingança. Era ele o homem certo, seu assassino. Eu perguntei mais uma vez. – Onde está a garota da General Jardim?

Ele ficou calado, de certo estranhando a minha insistência em relação a sua vítima. Pedro jamais confessaria, iria mentir por toda a vida, sabendo que ninguém poderia provar sua culpa pelo assassinato. Eu coloquei a arma em sua cabeça e apertei o gatilho. Ele não reagiu e tombou para frente, ficando apoiado apenas pelo cinto de segurança.

A bagunça estava feita, mas eu não senti remorso. Sai do carro apressado tentando não mostrar meu rosto. A rua estava calma e ninguém me viu, mas sabia que não tinha muito tempo. Peguei um táxi na esquina e fui para o meu apartamento. Era só uma questão de tempo até a polícia vir atrás de mim. Eles vão seguir as pistas, conversar com as pessoas e descobrir toda a história. Pedro importava para a sociedade e por isso, investigariam sua morte. Eu teria que sumir para não acabar meus dias mofando em um presídio.

Cheguei a casa e fiz uma mala, só com as coisas mais importantes. Agora, escrevo no blog para finalizar a história e para as pessoas saberem o que realmente aconteceu. Eu vou sumir no mundo e mudar completamente, viver outra vida. E eles nunca me acharão.

terça-feira, 21 de abril de 2009

FICHA CORRIDA

Já comecei a trabalhar na identificação do suspeito, o homem de quem peguei a identidade na semana passada. Prometi ao delegado, que já tinha me dado pastas com arquivos dos crimes de Júlia e da outra mulher, que não o incomodaria mais. Porém, se eu estivesse certo o seqüestrador não seria réu primário, sua ficha já devia estar manchada com alguma agressão a mulheres. Liguei para o delegado e o intimidei sem nenhuma vergonha. Ele pediu 48 horas. Também comecei a mostrar a foto da identidade do homem para as garotas de Janice. Algumas o reconheceram e disserem que ele era o homem que as visitava de vez em quando.

Hoje, o delegado me mandou a ficha corrida do suspeito por um motoboy. Quando abri estava lá a mancha em seu passado, cometido na juventude, quando ainda não era um predador experiente. Era só um moleque e não foi condenado pelo espancamento de uma prostituta, junto com alguns amigos. Ele foi fichado e pela sua foto, segurando uma plaquinha com números, pude perceber melhor seus traços, mesmo que o retrato fosse antigo. Tinha traços comuns e nada em especifico nele chamava atenção. A única coisa que me impressionou foi sua frieza. Quando o intimidei, ele não se desesperou ou alterou a voz. Estava seguro de si e tranqüilo. Quando lhe perguntei sobre as prostitutas ele falou sem inibições. O homem gostava realmente daquilo. Era o suspeito perfeito e teria tempo, e dinheiro, para planejar um ataque a Júlia. Quem iria desconfiar dele?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

CAÇADOR DE MULHERES

Ontem tive certeza que vi o assassino. Eu estava conversando com três garotas que ficavam fazendo ponto próximas à Praça da Sé, em frente a pequena igreja de São Gonçalo. As mulheres ficavam mesmo na frente da construção sagrada vendendo seus corpos, a qualquer hora, de dia ou à noite. Eu estava lá, umas 22h, tentando conseguir informações com notas de R$ 20. Enquanto conversávamos uma das garotas olhou para trás de mim e viu um homem se aproximando. Ela fez uma cara de desgosto e avisou as outras garotas. Todas olharam e eu também me virei para encarar a figura. Era um homem moreno, meia idade e de estatura média. Eu segurei a garota que primeiro viu o homem e a puxei para o lado. As outras duas que ficaram paradas foram abordadas pelo homem. Eu perguntei por que a garota tinha ficado chateada com a chegada do indivíduo. Ela reclamou que ele já tinha sido “duro” com ela. Eu perguntei o que ele fez. A garota, de no máximo 20 anos e cabelos louros tingidos, me contou que ele tentou forçá-la a entrar no seu carro, ao invés de usar um hotel ao lado, como era costume. Ele havia ficado bravo e tinha a empurrado no chão.

Escutei a história da garota enquanto o homem ia para o hotel com uma das prostitutas. Eu resolvi ficar por perto e esperar ele terminar o programa. Procurei seu carro com a ajuda da prostituta. Era uma caminhonete preta, com aparência cara. Se não fosse roubada, o homem andava bem de vida. Fiquei escondido no quiosque de flores que fica ao lado da igreja, onde ele havia estacionado. Pensei no que eu ia fazer, mas sabia que não podia perder o homem que poderia ser assassino de Júlia. Resolvi interrogá-lo de uma maneira muito peculiar, que aprendi nos anos de serviço.

O homem demorou uns 20 minutos. Saiu andando devagar, cheio de alegria. Esperei ele passar por mim para poder segui-lo de perto. Ele andou alguns passos antes de sentir que eu estava andando sorrateiramente em suas costas. O homem acionou o alarme e apressou o passo rumo ao carro. Antes de ele colocar o pé na rua eu disse para ele, em tom firme. – Espere, senhor.

Ele se virou em minha direção, mas eu não o deixei ver meu rosto. Eu disse – Entra no carro. Rápido, que eu tenho uma arma.

A essa altura, apesar de nem ter percebido, eu já estava com o revólver apontando. Minha mão estava firme e meu dedo no gatilho, com uma segurança que nem sabia que tinha em mim. Agora éramos só nós dois, um contra o outro. Eu disse. – Vamos, senta no assento do motorista.

Ele seguiu as instruções. Eu o mandei não ligar o carro e sentei no banco atrás do seu. Também falei para ele virar o espelho central, para não poder me reconhecer. Ele obedeceu. Eu disse. - Me passa a sua carteira. Devagar.

Ele tirou a carteira do bolso e me entregou. Eu ordenei. - Ligue o carro. Pegue a esquerda e siga para o Anhangabaú.

O homem obedeceu e só quando ele virou a rua, e me certifiquei que ninguém tinha nos visto, pude olhar a sua carteira. Era fina e muito bem preparada. Tinha bastante notas trocadas, especialmente as de R$ 20, e não tinha nenhum documento nem cartões de banco. Eu perguntei. – Você é policial, não é?

Ele respondeu que não, secamente. Eu continuei. – Você é policial sim. Sua carteira não tem documento, o dinheiro foi preparado. Me dá a sua arma!

O homem ficou calado alguns instantes e depois disse, tentando explicar. – Eu não sou policial não, você está me confundindo. Eu só vim comer uma puta.

Eu o interrompi e disse. - Me dá a sua identidade. Onde está?

Ele a pegou no gabinete do carro e me entregou. Eu perguntei. – Se você não é policial porque esconde a identidade no carro?

Ele respondeu. – Para não perder ou ser roubado por uma puta. Só levo o necessário.
Eu o mandei mudar o destino e seguir rumo à praça da República. O ameacei de novo dizendo que se ele fizesse alguma coisa, iria morrer. Recomecei a conversa. – Só um policial, em missão, seria tão profissional para pegar uma prostituta. Você está me enganando. Acho que estava xeretando no comércio noturno da região.

Ele negou – Eu já disse que não sou policial. Só vim comer uma puta, entendeu?

Eu gracejei. – Então deve ser o maior e mais sábio comedor de puta da cidade. Um verdadeiro profissional.

Ele não respondeu então eu continuei. - Então, senhor comedor de putas, gostou da garota lá da Sé?

Ele respondeu, calmamente. – Era boa sim. Agüentava bem o tranco.

Eu lhe dei corda. – Então você conhece de putas, saí com muitas delas?

Sua voz mudou nesse instante e ele disse confiante. – Eu gosto bastante. Elas são uma solução barata e rápida para o problema masculino.

Eu perguntei. – E qual o problema dos homens?

Ele disse, com um risinho. - Precisamos satisfazer nossas necessidades, se não explodimos.

Eu dei uma risada simpática e continuei. – E é preciso muitas mulheres para satisfazer a sua necessidade?

Ele disse. – Quantas eu puder encontrar.

Com sua identidade e carteira na mão, pedi que ele encostasse o carro próximo da estação de metrô. Eu lhe disse. - Ainda não sei se você é policial ou não, mas não apareça mais nessa região. Se você voltar eu vou ter certeza de que você é um policial. Agora desligue o carro.

Eu o mandei ficar com a cabeça baixa, com as mãos no volante por alguns minutos. Abri a porta e sai me misturando com as outras pessoas na rua. Desviei do metrô e peguei o primeiro táxi que vi. Ele não daria queixa na polícia e agora tinha um suspeito e sua identidade.

terça-feira, 14 de abril de 2009

QUESTÕES

Ainda tenho tido dificuldades para dormir. Nessa última semana tenho tido muitos pesadelos. Na verdade é sempre o mesmo: a cidade está lá imóvel e dos bueiros surge uma sombra escura que começa a se espalhar dentro das casas, comércios e apartamentos. É tudo muito rápido e toma São Paulo em poucos instantes. Ela vem a minha porta e escorre pelas frestas até me dominar. Acordo assustado, no meio da noite, procurando pela minha arma, que está sempre no meu criado mudo. Desde que a retirei do armário, para ir conversar com a amiga de Júlia no supermercado não consigo me afastar dela. Mantenho-a carregada e limpa em casa e quando saio à rua, a coloco em um coldre preso ao meu cinto. É um revolver pequeno, fácil de esconder. A arma tem me feito companhia nos diversos lugares tenebrosos que tenho freqüentado para descobrir o assassino de Júlia. São ambientes horríveis e deprimentes, onde se vende carne como em um açougue. As ruas onde as garotas fazem ponto também são uma desgraça e nelas, as meninas estão sempre com medo. O centro era uma poça de degradação para todos, do prefeito ao menino de rua. Se o coração da cidade está neste estado de putrefação, como estaria o resto da cidade?

Já fui me encontrar com Suelen e Janice. Na parte da tarde estive no bar onde Janice controlava suas garotas. Ela me falou de um homem que aparecia de vez em quando e que sempre queria uma garota diferente, dificilmente repetindo uma. Era moreno e de estatura média e andava em uma caminhonete. Já tinha agredido uma garota, mas ainda assim tinha a cara de pau de continuar aparecendo. Ele se encaixava na história do assassino, a não ser pelo seu carro. Mas isso seria simples de contornar, ele poderia simplesmente ter alugado um veículo. Mais tarde me encontrei com Suelen e ela me falou de um homem moreno que gostava de freqüentar o ponto de sua falecida amiga. As garotas do lugar diziam que ele estava meio sumido, mas que tinha voltado a aparecer. A mesma história que a de Janice, até com algumas garotas agredidas, mas só que com nomes diferentes. Ele devia dar um nome distinto em cada lugar. Pedi a cafetina e ao travesti para me avisar se ele aparecesse.

Procurei mais um pouco pela região até chegar a um leão de chácara de uma boate do centro. Por R$ 20 ele me contou a história de um freqüentador expulso há alguns meses. Esse homem tinha tentado levar uma garota para seu carro à força antes que os seguranças o jogassem na rua. A descrição que o segurança me deu foi igual ao do homem que agredia mulheres, dada por Janice e Suelen.

Acho que estava na pista certa, só precisava de uma identificação positiva. Continuei freqüentando os inferninhos e pontos de rua. Às vezes avistava um suspeito, mas como ter certeza de que era mesmo o homem que procurava? Sabia que ele estava procurando a próxima vítima, mas precisava ter certeza.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

AS FACES DA HISTÓRIA

Júlia não contou nem para a melhor amiga seu segredo, mas confidenciou ao homem que amava. Deu errado. Pobre garota miserável, não conseguiu encontrar a felicidade. Devia ter ficado calada e mentido como todo mundo, mas resolveu ser honesta e se abrir. Deu no que deu. Hoje um mecânico da oficina de Renato ligou e disse que o carro estava bom. Eu fui à oficina, mas não consegui encontrar Renato. O mecânico me explicou o estado do carro e disse que eu podia levá-lo. Eu perguntei sobre o paradeiro de Renato e o mecânico falou algo sobre doença. Ele não queria me ver. Entendi a deixa e avisei que alguém viria pegar o carro. Fui para casa e liguei para o Valdir dar um jeito na situação.

Após fazer a ligação fiquei sentado no sofá, pensando na história toda. Eu não acho que Renato é culpado e agora voltei à estaca zero. Ele era só um rapaz de família, que não conseguia conviver com certas coisas que não entendia. Quem poderia culpá-lo por não aceitar? Era um rapaz honesto, trabalhador. Não faria uma coisa dessas, não alguém que freqüentava a igreja e que era tão correto. Para seqüestrar Júlia ele precisaria ter algo sombrio escondido em seu coração por muito tempo, disfarçado, até alguma coisa despertar o monstro frio e calculista que se apoderaria dele. Como ele poderia voltar a ser o mesmo depois?

Agora sei que não foi ninguém próximo a ela que a matou. Existe realmente um assassino perigoso rondando por aí e alguém tem que pará-lo. Me voltei a internet de novo, procurando entender a cabeça do tipo de homem que teria seqüestrado Júlia. Deve ser um assassino sem consciência, um fruto da loucura dos novos tempos, que torna o chamado assassino serial em estrela pelos seus crimes. Quanto mais brutal, mais famoso. Mas é só ler um pouco sobre o assunto para entender que não há nada de especial em um homem que não sente nada e que cura seu tédio brutalizando seres humanos. Ele sente prazer em destruir e causar dor à outra pessoa.

Existem diversos tipos desses monstros doentes, cada um com sua especificidade. Alguns são inteligentes e organizados, outros são carniceiros. No meu caso devia começar a procurar um homem organizado o suficiente para armar um seqüestro e desaparecer com um corpo. Li muito sobre o assunto até que achei um caso parecido. Seu nome era Gary Ridgway, um norte-americano que ficou conhecido como o assassino de Green River. Ele matou quase 50 mulheres antes de ser pego. Eram quase todas prostitutas e depois ele admitiu que as matava porque sabia que "poucas delas seriam dadas como desaparecidas". E ele ainda disse: "Escolhi as prostitutas porque acreditava que poderia matar quantas quisesse sem ser pego".

Ele era organizado e enganou a polícia por anos, chegando a colocar pistas falsas nas cenas dos crimes. Esse era o tipo de homem que procurava, mas por que Júlia teria sido pega por ele? Será que ele já havia a marcado há muitos anos atrás ou só deu de cara com ela na República? De qualquer jeito é melhor falar com Suelen e Janice e esperar por uma pista mais sólida.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

HOMEM PERDIDO

Marquei de pegar o carro com Renato na quinta-feira, véspera de feriado, logo ao entardecer. Combinei de encontrá-lo com o táxi na frente de sua oficina às 16h30. No horário marcado ele já estava pronto, já sem uniforme e de banho tomado. Entramos no carro de Valdir e fomos rumo a um bairro no extremo da Zona Norte de São Paulo. Quando chegamos ao local, comentei no táxi. - Já pegamos esse trânsito para ir, imagina o da volta.

Estávamos na casa do meu amigo as 17h30. Havia ligada para ele combinando os detalhes sobre o carro e o que deveria dizer, apesar de achar que Renato não se importaria com a história contada. Tocamos a campainha e logo meu antigo associado veio abrir o portão, com um sorriso no rosto. Fazia algum tempo que não encontrava João. Trabalhamos uns bons anos juntos. Ele era um sujeito muito competente no que fazia, trabalhando infiltrado. Se passar por dono de um carro à venda não seria difícil para ele. Logo foi mostrando o carro e dando as chaves para o mecânico. Puxou-me pelo braço e veio me perguntar o porquê da história toda. – O que você está aprontado, Vargas? Você vem aqui e pede para emprestar o carro, mas quer que eu finja que estou vendendo. O que esse mecânico fez?

Respondi calmamente. – Ainda não sei, mas espero que nada. Ele está me ajudando a confirmar uma coisa.

Abrimos o portão e Renato estacionou o carro na frente da garagem, ainda com o motor ligado. Cumprimentei João. Ele disse. – Boa Sorte.

Entrei no carro e Renato arrancou. Tinha conseguido enrolar um pouco e saímos no horário previsto, na pior hora do trânsito. Antes de chegar à esquina perguntei. – Você quer parar em algum lugar para comer? O trânsito deve estar um inferno.

Ele acenou que não. – Comi um salgadinho antes de vir, obrigado.

Eu disse. – Tudo bem. Então vamos encarar o monstro.

A marginal Tiete estava engarrafada. Renato parecia reflexivo e resolvi arriscar e tomar um gole do uísque que trazia em meu paletó. Dei um gole, mas fingindo que bebia. Limpei a boca com a manga do paletó. Dei uma limpada na garganta, simulando prazer, mas não ofereci a Renato. Já fui guardando o uísque enquanto ele me olhava surpreendido, mas não pediu um gole. Resolvi oferecer. – Desculpa, Renato. Tomei um gole aqui da minha bebidinha e nem te ofereci. Quer um pouco?

Renato parecia tentado. Resolvi apressar as coisas e tirei a bebida do paletó e a coloquei em sua mão. Comentei. – Toma um golinho, meu amigo. Porque vamos ficar parado aqui um bom tempo. Na verdade, toma um golão!

Eu ri da minha piada e ele pareceu amolecer. Deu um grande gole na mistura que havia preparado em casa. Não tinha enchido totalmente o recipiente da bebida para dar a impressão que tinha dado um gole grande do uísque. Também misturei com alguns remédios de venda controlada, que combinados deixavam a pessoa mais relaxada. Ele devolveu a bebida e quinze minutos depois, após termos andado poucos metros com o carro, ofereci outro gole. Novamente ele aceitou.

Depois do segundo gole ele começou a ficar mais solto. Seus ombros ficaram menos rijos e sua coluna começou a entortar. Seus braços se apoiaram no volante. Ele parecia meio confuso com o efeito, mas logo interferi em seus pensamentos. – Essa bebidinha bate forte, não é? Essa é danada!

Ele me olhou, processou a informação e a aceitou como verdadeira. Comecei a papear. Falei do tempo, do trânsito, da maldita cidade. Não só ele concordava com a cabeça, como até fazia suas próprias críticas. Estava ouvindo pela primeira vez sua voz e ela ficava cada vez mais confiante. E mais irada também. Critiquei o asfalto das ruas e ele usou um palavrão para ofender a mãe do prefeito, por fazer um serviço tão mal-feito. Ele ia se deixando invadir pela raiva e ia relaxando cada vez mais.
Falei mal da polícia e da podridão que era a República. Ele concordou e soltou mais palavrões. Eu comecei a contar uma história. – Sabe, a nossa polícia é uma porcaria mesmo. Você acredita que seqüestraram uma garota no prédio que eu moro. Era minha vizinha, lá na General Jardim. Os policias não fizeram nada! Nem investigaram.

Ele demorou um pouco a entender o assunto da conversa por causa da bebida batizada, mas quando ouviu as palavras certas, ficou imóvel. Ele permaneceu quieto e eu dei um pouco tempo para ele organizar suas idéias. Continuei. – O cara que fez isso saiu impune, acredita? Como é que pode? Esse mundo está perdido mesmo, não meu tempo não era assim.

Renato ficou perturbado com a conversa. Perguntou. – Que história é essa que o senhor tá contando? Como era o nome da garota?

Eu fingi ter dificuldade em lembrar, mas acabei dizendo o nome de Júlia. Disse que não a conhecia direito, mas que fiquei sabendo tudo pela síndica do prédio. Ele ficou perplexo. Eu lhe perguntei se estava bem e ele não conseguiu disfarçar a emoção. Eu lhe perguntei de novo e ele acabou cedendo. – Eu a conhecia, ela já foi minha namorada...ela...

Ele se calou e temi que não revelasse mais nada. Continuei. – Poxa, me desculpa tocar no assunto...eu não sabia. A síndica disse que vocês iam se casar.
Ele me interrompeu. – Nós não íamos nos casar nada. Ela que andou espalhando isso, mas eu tinha terminado com ela. Ela que continuava falando para os outros dessa história.

Renato parecia bravo e suas lágrimas pareciam se tornar de ódio. Eu precisa continuar pressionando. – Calma, amigo. Eu sei que você devia amar muito a sua noiva, aqui toma mais um golinho.

Ofereci a bebida, mas ele não aceitou. – Aquela perdida não era minha noiva! Eu já disse, eu terminei com ela. Ela não queira aceitar, mas eu acabei com tudo.
Eu falei, fingindo complacência – Desculpa. Eu também nunca te vi por lá, vocês não deviam ser muito próximos mesmo, não é?

Esbravejou. – Ela nunca me deixou subir, dizia que não era direito. Se fantasiava de honesta, ia à igreja e tudo. E pensar que eu apresentei ela para os meus pais.
Eu o confortei. – É, mulher só dá dor de cabeça mesmo. São todas iguais.

Ele retrucou. – Não são todas iguais não, algumas são piores. Te iludem, depois que você fica sabendo a verdade e percebe que é tudo é mentira. São fingidas. E ainda grudam, como se eu você tivesse alguma obrigação com elas. Como se eu devesse algo a ela.

Concordei. – Esse tipo de mulher eu conheço, são de matar.

Ele continuou. - São mesmo, não entendem quando se diz não. Elas querem continuar a incomodar. Ai se fazer o que, né?

Eu dei corda para seus delírios. – É. Mas como se livrar delas?
Renato ficou pensando e minha pergunta, em estado de transe. Ele limpou o nariz e ficou balançando a cabeça, em sinal negativo. – A gente espera um milagre. Acontece alguma coisa e elas somem. Deus sabe o que faz.

Tentei uma última cartada para descobrir o que Júlia havia feito de tão grave. – É, ele sempre sabe. Mas não devemos mais nos preocupar com essas coisas, elas saram. Mas, se você não se incomoda de eu perguntar, por que vocês terminaram? Ela parecia uma boa garota, não fazia festa, não levava gente no apartamento. Ela nem fazia barulho.

Renato falou rápido, querendo mudar de assunto. – Ela tinha feito uns negócios, no passado, algo que nenhum homem pode perdoar. Coisas que ninguém pode passar por cima.

Eu decidi oferecer de novo o uísque e ele aceitou. Deu um gole e continuou. – Disse que foi para sobreviver e que fez por pouco tempo, quando saiu da casa dos pais. Mas que diferença faz, se é pouco, muito? Imagina que ela tentou argumentar. Depois pediu para eu a perdoar e disse que me amava. Imagina que eu podia amar ela depois disso? Eu só queria que ela me deixasse em paz.

Ele deu mais um gole na bebida e a devolveu. Depois disso eu não precisava saber de mais nada, já tinha uma idéia do que tinha acontecido.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

OBSERVE E VERÁ

Voltei à oficina hoje, na parte da manhã. Renato estava no canto arrumando as ferramentas calmamente. Eu entrei no estabelecimento e fui em sua direção. Ele me viu chegando e me cumprimentou ainda lembrando-se do meu nome. Desta vez eu não usava nome nem identidade falsa. Fui como eu mesmo, com a desculpa de queria comprar um carro. Achei que seria a melhor forma.

Apertei sua mão e ele me convidou para conversar em um bar ao lado da oficina. Pedi um café com leite e ele também. Comentei sobre o carro que queria comprar. Disse que era de um velho amigo, que morava na zona norte, e gostaria de saber qual era a situação do veículo. Ele falava pouco e concordava com a cabeça. Não estabeleci uma data certa para a vistoria, mas expliquei a Renato que ele precisaria pegar o carro comigo para trazer à oficina. Perguntei quanto ele cobraria pelo trabalho. Ele pensou um tempo e me cobrou um pouco mais do que seria justo. Pensei em pechinchar, mas resolvi deixar o peixe na rede.

Falei que queria ir de táxi e que poderíamos ir juntos. Eu comentei. – Eu moro aqui perto, na rua General Jardim, posso marcar para o táxi vir nos encontrar aqui na oficina.

Ele não esboçou nenhuma reação ao nome da rua da ex-namorada, só concordou com a cabeça. Eu disse que ligaria para ele. Depois disso, eu desci a rua rumo a minha casa. Durante toda a conversa ele estava aéreo e não parecia ligar muito para o trabalho. O que será que aflige Renato? Vou ligar para ele nos próximos dias e marcar uma data para nosso encontro.

sábado, 4 de abril de 2009

ARMANDO UMA ARMADILHA

O nome do ex-namorado de Júlia é Renato. Ele trabalha em uma oficina mecânica aqui no centro e eu fui procurá-lo no final da tarde de ontem. O peguei indo embora, rumo ao metrô. Os funcionários da oficina fechavam o estabelecimento e perguntei por Renato a um mulato. Ele apontou para o ex-namorado de Júlia. Eu fui até ele e me identifiquei dizendo que um amigo havia recomendado a oficina, e que havia mencionado seu nome. Comentei que queria comprar um carro, mas precisava de alguém de confiança para avaliar o estado do veículo. Ele coçou a cabeça, tentando se livrar de mim. – Agora tá tarde por que você não volta na segunda, na parte da manhã?

A conversa pareceu promissora, mas antes desse primeiro contato com Renato, eu já tinha pedido a Valdir que fizesse uma consulta entre os taxistas, para saber o que se dizia dele. Descobri que todos os que o conheciam falavam de seu jeito quieto. Consideravam-no um sujeito honesto e um mecânico habilidoso. Um homem muito organizado com suas ferramentas me disse Valdir, citando outros colegas. Pelo arquivo do caso de seqüestro de Júlia, feito pela polícia, ele não tinha antecedentes e tinha um bom álibi. Renato disse aos investigadores que estava em casa no dia do crime e seus pais confirmaram a história. Parecia tudo em seu lugar, mas que pai não mentiria por seu filho, se ele pedisse?

Também tinha ido a sua residência. Observei por um tempo a casa assobradada onde mora, junto com o pai e mãe, na região de Santa Cecília. Era uma casa simples. Eu até consegui ver sua mãe, uma senhora pequena e magrinha, que devia ter uns 70 anos. Esperei anoitecer para ver Renato entrar na casa.

Na noite seguinte, ainda na fase observatório, voltei para frente da casa de Renato. Não esperava conseguir nenhuma informação, pois o máximo que ia ver era ele entrando em casa. Mesmo assim fiquei esperando o rapaz chegar. Quando apareceu, ele não foi para casa, mas para um bar que ficava ao lado. Fiquei do outro da rua, observando-o de uma pizzaria que tinha dois andares. Fiquei enrolando, porém uma hora tive que sair, e ele ainda continuava enfurnado no bar. Depois de três horas ele saiu, se apoiando nas paredes de tão bêbado, tentando chegar em casa. Eu me apressei para entrar no bar. Cumprimentei o balconista, pedi uma cerveja e fui logo reclamando do bêbado que saiu. O atendente também aproveitou para criticar o homem. Perguntei se conhecia o bebum e ele comentou que fazia pouco tempo que o ex-namorado de Júlia aparecia para encher a cara. Disse que não falava nada, só ficava bebendo no seu canto quieto. Eu comentei. -Deve ser dor de corno.

O balconista riu, mas disse que Renato nunca havia comentado nada. Ele só ficava ali se embebedando. Aquele comportamento não estava adequado com o de um evangélico. Talvez Renato estivesse com a consciência pesada.

Com tudo isso em mente, passei incontáveis horas procurando uma solução para o problema de como conquistar Renato, porque era o único jeito dele me contar coisas íntimas, que não contaria a mais ninguém. Tenho um plano, mas uma coisa dessas é difícil de realizar e vai tomar algum tempo. Quando se planta um espião, ou uma “topeira” como dizem os americanos, é preciso lhe dar tempo para se aproximar e ver onde estão as rachaduras, as arestas onde trabalhar.

Eu sabia que tirar alguma informação de Renato seria difícil. Ele é do tipo fechado, mas eu preciso fazer ele confessar.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O DESTINO

Acho que Júlia nunca conseguiu escapar de homens cruéis e doentes. Na segunda-feira visitei a casa dos pais dela e pelo pouco que presenciei já entendi porque a garota havia fugido de casa. Não é preciso ser gênio para saber que ela devia viver em constante medo. Sua mãe não a protegeria, tinha mais pavor ainda do marido. Quem sabe os abusos que ela sofreu naquele lugar horroroso, caindo aos pedaços, com aquele animal. A sina de Júlia era sofrer, agora tenho certeza. Teve sua existência permeada pelos desejos de controle dos homens. Sua vida foi deles.

Infelizmente, a visita não me ajudou em nada na investigação. Não consegui tirar nada dos pais de Júlia, mas entendi um pouco mais de sua triste história. Minha pista mais sólida continuava sendo o ex-namorado de Júlia. Sei seu nome e o endereço de onde trabalha. Vou revirar sua vida e descobrir o que aconteceu com Júlia.